Powered By Blogger

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Pessoa por Pessoa

DO TEMPO:
Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.

DO MEDO DO TEMPO:
 Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.
Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E DO BUSCAR-SE À QUALQUER TEMPO:
 Deixo ao cego e ao surdo
A alma com fronteiras,
Que eu quero sentir tudo
De todas as maneiras.
 Do alto de ter consciência
Contemplo a terra e o céu,
Olho-os com inocência :
Nada que vejo é meu.
Mas vejo tão atento
Tão neles me disperso
Que cada pensamento
Me torna já diverso.
E como são estilhaços
Do ser, as coisas dispersas
Quebro a alma em pedaços
E em pessoas diversas.
E se a própria alma vejo
Com outro olhar,
Pergunto se há ensejo
De por isto a julgar.
Ah. tanto como a terra
E o mar e o vasto céu,
Quem se crê próprio erra,
Sou vários e não sou meu.
Se as coisas são estilhaços
Do saber do universo,
Seja eu os meus pedaços,
Impreciso e diverso.

ps: Um momento especial de reflexão.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Passe um dia com você mesmo!



Lendo o texto de um amigo me deparei com a seguinte frase:


"Os momentos de solidão são bons para ouvirmos o silêncio que o barulho das coisas fazem."


E, mergulhando nessa sentença, é tão perceptível o quanto nós seres humanos temos tanta dificuldade em lidar com essa experiência, breve ou momentânea.


Eu, como pertencente a raça, sinto do mesmo, mas quando exijo que minha concentração mergulhe em meu interior, me esforço para apreciar estes momentos. E, definitivamente buscar o sentido prático de frases como essas. Entre tentativas múltiplas, descobri uma metodologia rápida, não tão duradoura mas suficiente para levantar meu astral e meu humor. Pratico o hábito de passar o dia comigo mesma. Pode soar banal, mas ter esses rituais periodicamente tem me trazido um conforto para vivenciar essas pitadas de solidão. Porque a pior solidão, que acredito ser a última de todas, é a solidão que se tem mesmo quando você por si só deveria bastar.
As circunstâncias e as experiências desse ritual são minhas. Que cada um construa a sua ou apenas se dê conta de alguma que já é tão especial.


Ponto de partida: desligue o celular. Se liberte dessa prótese tecnológica por este tempo escolhido.
Segundo: Escolha um lugar que concentre várias coisas prazerosas que se possa fazer e andando. As caminhadas são sempre um grande momento de viajar ou se concentrar nos pensamentos, em idéias.
Terceiro: Faça coisas que geralmente você faria com uma companhia. Vai descobrir o prazer de se libertar da necessidade de outro para encontrar graça ou valor.
Quarto: Se desprenda das horas, do relógio, do tempo se for possível. Tudo terá um valor ainda mais especial e não parecerá uma contagem regressiva.
Quinto: Escolha algo inusitado no meio da trajetória e que você considere completamente fora dos seus hábitos. Vai se surpreender com o sabor de coisas novas entrando por sua vida.
Sexto: Ao terminar a jornada, aprecie toda a caminhada e o resultado.


O meu roteiro de passar um dia comigo mesmo:
Deixo o carro em casa e vou de ônibus para o centro da cidade.
Vou a Livraria da Travessa e converso com meu grande colaborador Carlinhos sobre títulos e sugestões de livros. Fico lendo as orelhas de vários e se puder compro algum.
Depois vou almoçar no Delírio Tropical. Torço sempre para que tenha a salada "Rodrigo" e quiche de tomate seco. Dali, um pulinho na Colombo para tomar o melhor capuccino do mundo!
Dou uma paquerada nas vitrines, nos sebos e nos cds. Geralmente da Gonçalves Dias, passando pela RUa do Ouvidor, indo em direção a Primeiro de março.
Vou para o CCBB. Pego o folder da programação e fico uma meia hora lendo cada vírgula no saguão sentada nos degraus. Amo ver o movimento das pessoas ali. É um lugar de paz no meio do centro do Rio agitado.
Vejo a exposição do momento e dou um pulinho na biblioteca no quinto andar que adoro. (Geralmente encontro Skylab estudando por lá... ) Faz parte do roteiro do CCBB encontrar o Skylab.. rsrsrs.
Estendo meu passeio ao Centro Cultural dos Correios e Casa-França Brasil.
Tomo outro capuccino no fim da tarde no café do CCBB, geralmente ouvindo o piano com Bossa Nova lá tocado.
Se tiver algum video interessante, ou palestra ou evento no próprio CCBB, por lá fico.


E, sem celular, o dia se foi sorrindo. Pra mim.


PS: adoraria comentários com sugestões sobre "Dias com você mesmo".
PS2: antigamente terminaria com o filme no cinema do Paço. Mas tiraram ele de nós.. Deixo então o meu protesto!!!
ps3: A foto é em homenagem a Juca. Um vira-latas super educado que costuma passar varios dias com ele mesmo.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Sophie Calle - "Cuide de você"

Sophie,

Há algum tempo venho querendo lhe escrever e responder ao seu último email. Ao mesmo tempo, me pareceria melhor conversar com você e dizer o que tenho a dizer de viva voz. Mas pelo menos será por escrito.
Como você pôde ver, não tenho estado bem ultimamente. É como se não me reconhecesse na minha própria existência. Uma espécie de angústia terrível, contra a qual não posso fazer grande coisa, senão seguir adiante para tentar superá-la, como sempre fiz. Quando nos conhecemos, você impôs uma condição: não ser a "quarta". Eu mantive o meu compromisso: há meses deixei de ver as "outras", não achando obviamente um meio de vê-las, sem fazer de você uma delas. Achei que isso bastasse; achei que amar você e o seu amor seriam suficientes para que a angústia que me faz sempre querer buscar outros horizontes e me impede de ser tranquilo e, sem dúvida, de ser simplesmente feliz e "generoso", se aquietasse com o seu contato e na certeza de que o amor que você tem por mim foi o mais benéfico para mim, o mais benéfico que jamais tive, você sabe disso. Achei que a escrita seria um remédio, que meu "desassossego" se dissolveria nela para encontrar você. Mas não. Estou pior ainda; não tenho condições sequer de lhe explicar o estado em que me encontro. Então, esta semana, comecei a procurar as "outras"; E sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo estou entrando. Jamais menti para você e não é agora que vou começar.
Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta (já que você ainda vê B, R...) e compreensível (obviamente...); com isso, jamais poderia me tornar seu amigo.
Mas hoje, você pode avaliar a importância da minha decisão, uma vez que estou disposto a me curvar diante da sua vontade, pois deixar de ver você e de falar com você, de apreender o seu olhar sobre as coisas e os seres e a doçura com a qual você me trata são coisas das quais sentirei uma saudade infinita.
Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você da maneira que sempre amei desde que nos conhecemos, e esse amor se estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá. Mas hoje, seria a pior das farsas manter uma situação que você sabe tão bem quanto eu ter se tornado irremediável, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro. E é justamente esse amor que me obriga a ser honesto com você mais uma vez, como última prova do que houve entre nós e permanecerá único.
Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente.
Cuide de você.
X.

Desde que tomei conhecimento da existência de Sophie Calle, através de uma reportagem da revista Bravo!, ela me despertou um enorme interesse. Admirei imensamente um perfil de mulher, que indiscutivelmente, sabia lidar com questões complexas através de práticas bastante objetivas. Sem dúvida, posturas que não foram óbvias e muito menos deixaram de gerar inquietude e até uma perplexidade misturada com fascinação, declarada por muitas pessoas. E, agora,inclusive por mim.  
Sophie Calle,conceituada escritora francesa,ficou conhecida internacionalmente por receber um "fora" do então namorado e também escritor Grégoire Bouillier através de um email.E, para minha surpresa, na trajetória da vida, situação virtual semelhante também passou a fazer parte da minha experiência. Eis que a minha curiosidade acerca da vivência pessoal e artística pela obra e as propostas de Sophie só cresceu como uma grande explosão cósmica.
Desde o ocorrido, Sophie se calou, se concentrou nela. Virou assunto da mídia mas calada ela permaneceu. Dois anos após o ocorrido, lá estava ela convocando a imprensa para divulgar a sua nova criação artística: a exposição "Cuide de você". Sophie convidou 107 mulheres -de diversas ocupações, variadas profissões e tipos completamente diferentes - para que de uma forma inerentemente particular ao tomar contato com o teor deste específico email, elas se manifestassem livremente sobre o episódio. Assim, diante de um tema tão polêmico e rico em abrangência, com uma metodologia muitíssima original, surge uma exposição intrigante e que me fascinou. E para completar,a exposição está sendo exibida no MAM, um lugar que por si só consegue carregar um ar bucólico pela nuance da paisagem ao seu redor.Ainda que no lugar mais pleno de urbanidades do Rio de Janeiro. E a tarde perfeita surge saboreada e completada por uma boa companhia.
A exposição foi exibida pela primeira vez em 2007, na Bienal de Veneza, e passou ainda por Nova York antes de chegar ao Brasil. "Prenez soin de Vous" ou "Cuide de você",apesar de não ser inédita ao chegar aqui no país, deixou para nosso espaço um grande episódio desta onda: foi na festa literária de Paraty, em julho de 2009, que Sophie e Grégoire dividiram pela primeira vez uma mesa de debates sobre o assunto. Foi o primeiro reencontro dos dois para falar do tema desde o ocorrido. Segundo reportagens do jornal "Estado de São Paulo" à época,o desapego à privacidade de Sophie é tratado com naturalidade."Não é de minha vida que se trata, não sou o tema principal", afirma ela.
Em "Cuide de você", todas as mulheres falam, escrevem, cantam ou gritam o texto em sua própria língua e interpretam-no de maneiras diferentes. O "fora" ganha status dos mais diversos: do triste à ridicularização. E,para meu contentamento, cópias da carta podem ser levadas para casa. 
O tempo foi curto para me deliciar com a exposição, e definitivamente voltarei a revê-la não sei por quantas vezes. No entanto, adorado já foi esse dia. 
Não se deve perder tempo tentando entender o porquê das coisas. As perdas já são suficientemente óbvias para se criar mais uma. Otimizar o tempo, ou melhor, cada precioso momento, sempre, cuidando de você. Aprendendo a se bastar.
 Uma frase que li nos últimos tempos e forte ela entrou por meu interior:


"Fazer de si mesmo um ser insubstituível"
(Gide)


Natallye